‘Homem com H’ emociona ao escancarar a coragem e genialidade de Ney Matogrosso
- Rayane Domingos
- há 2 dias
- 4 min de leitura
A cinebiografia, estrelada por Jesuíta Barbosa, emociona e encanta por exibir sem pudor o espírito disruptivo e livre de um dos grandes nomes da música brasileira

Todo mundo tem uma história, mesmo que corriqueira, do momento em que conheceu Ney Matogrosso. A gente pode até esquecer os detalhes, mas é impossível que você não tenha sido impactado de alguma forma com a presença do artista, seja pelo visual "exótico" ou a sonoridade única. A coragem para fazer o que achava ser certo e tinha vontade foram cruciais para formar ele como um artista transgressor e importante para a cultura brasileira.
E tudo isso a gente consegue enxergar bem em 'Homem com H', a cinebiografia de Ney Matogrosso. Baseado no livro 'Ney Matogrosso: A Biografia', de Julio Maria, o filme tem direção e roteiro de Esmir Filho, que se debruçou na história para escrever com o máximo de veracidade possível, um dos pedidos do artista.
O filme é estrelado de forma brilhante e sensível por Jesuíta Barbosa, dando mais um show de atuação. O ótimo elenco também conta com: Rômulo Braga, Hermila Guedes, Bruno Montaleone, Caroline Abras, Lara Tremouroux, Jullio Reis, Mauro Soares, Jeff Lyrio e mais.
Milimetricamente artístico

É sempre curioso ver as reações quando as notícias sobre a produção de uma cinebiografia saem, principalmente quando se fala de um artista consagrado. Não existe um certo ou errado quando se refere a maneira que o roteiro irá contar a história. Há quem prefira a ordem cronológica detalhada ou apenas focar em um espaço de tempo, seja de 10 ou 20 anos, da carreira da pessoa em questão.
O fato é que essas escolhas de roteiro são cruciais para determinar se o público vai se interessar ou não pela história. Particularmente, considero um grande acerto que 'Homem com H' se preocupe em trazer momentos importantes da vida pessoal e artística do Ney, independente do ano que esteja.
De fato, o filme quer contar a história do artista, mas acho que com um "quê" de preocupação para que espectador compreenda os momentos importantes que fizeram Ney ser o artista que se apresenta: corajoso e disruptivo. E isso se torna fascinante tanto para as pessoas que o conhecem como para as que não, porque vamos entendendo o íntimo do artista.
As cenas sobre a infância quando ele está se entendendo como um bicho, como gosta de falar, e ao mesmo tempo humano, observando tudo ao redor e já se inspirando para construir a própria personalidade e a artística. Ainda menino, passou por conflitos complicados e dolorosos com Antônio, o pai militar que era rígido e preconceituoso, ao mesmo tempo que era acarinhado pela mãe, Beíta, que tentou proteger o filho dos desmandos do marido.
Com mais brigas na juventude decidiu sair de casa para tentar encontrar a liberdade que queria viver e conseguiu “achar” isso quando foi servir na aeronáutica, no Rio de Janeiro. Depois foi ator, costureiro, figurinista, até se tornar cantor e viver disso. Esses conflitos com o pai, a censura e até o medo nos ajudam a entender o motivo dele ter sido tão transgressor.
E tudo isso vai acontecendo de uma forma extremamente sensível e visceral. O diretor e roteirista, Esmir Filho, nos faz sentir um misto de emoções o tempo inteiro, e isso vai da tristeza até o tesão. O filme nos aproxima daquelas situações complexas e fazer com que a gente viva tudo aquilo meio que de mãos dadas com cada personagem.
Outro grande acerto foi não fazer da produção um musical, de enfileirar vários clipes de momentos marcantes do Ney. Há uma ótima história permeando o filme e as performances escolhidas para reproduzir ajudam a ilustrar a vida do artista fora ou em cima dos palcos. Faço menção especial para a cena que ele não queria gravar Homem com H, e também dele incrivelmente cantando Cartola.
A direção de arte, de Thales Junqueira, e o figurino fizeram um ótimo trabalho ao conseguir transportar os anos 80/90/2000 para a telona de forma encantadora. Destaco ainda mais o trabalho da figurinista Gabriella Marra por conseguir dar veracidade às roupas de show do Ney. Uma coisa é fazer e outra é fazer aquilo tudo funcionar ao ponto da gente lembrar que já viu ele usando aquilo em algum momento da carreira.
A arte de interpretar

As fotos e vídeos que foram divulgadas de bastidores já causavam uma ótima impressão, pelo menos visualmente, de que Jesuíta Barbosa estava assustadoramente parecido com o Ney Matogrosso. E a gente só tem mais certeza dessa semelhança quando o filme vai avançando e vamos conhecendo e reconhecendo a personalidade única do artista que está sendo interpretado por outro.
Jesuíta consegue mostrar muito bem a dualidade do homem Ney, tímido e sensível, e do artista Ney, transgressor e extravagante. Tudo isso de uma forma muito delicada e visceral, como se a gente fosse uma daquelas pessoas que assistiram ao show dele pela primeira vez na década de 80.
É realmente impressionante porque não é uma imitação de gestos e olhares, é algo mais íntimo, como capturar a essência do personagem e saber exatamente como se portar como ele próprio. Para além dos elogios ao ator, também é preciso dar os créditos ao preparador de elenco e ao coreógrafo, que ajudaram na construção desse trabalho tão bonito.
Todo o elenco está muito bem no filme e consegue nos impactar de alguma forma, seja com o olhar ou alguma frase que vai nos ajudar a refletir sobre a vida. Destaques para Rômulo Braga, como o pai rígido e controverso, Hermila Guedes, a mãe carinhosa e acolhedora, e Jullio Reis e Bruno Montaleone, que interpretaram Cazuza e o Marco de Maria, um dos grandes amores da vida do Ney.
Confesso que passei uns dois dias com o choro preso na garganta depois de assistir ao filme, mesmo tendo chorado muito durante a sessão. Assistir a história do Ney Matogrosso e vê-lo vivo, principalmente após a epidemia de HIV/AIDS no Brasil, traz uma emoção diferente. Entre altos e baixos, ele conseguiu sobreviver muito bem sendo livre, artístico, tesudo e carregando uma coragem inimaginável ao longo dos seus 83 anos. Viva Ney todo dia.
Veredito: 4,5/5
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