Abulidu em ‘Códigos Periféricos’: conheça a banda antirracista que luta por justiça social
A panela preta que entrou em ebulição vai explodir em 2023
por Leandro Lopes, especial para a TAG Revista

Jazz, rock, maracatu, pop, frevo e MPB são gêneros musicais que formam a Abulidu, banda pernambucana antirracista que luta através da música por espaço, educação e equiparação social para a população, principalmente negra. Abulidu é a junção das palavras Abolição e Bulir, e dá nome para a banda fundada em 2019 por Hélio Machado (vocalista), Dinho e Thúlio Xambá (percussão), Paulinho (violão), Rogério Martins (guitarra) e Raphael César (baixo).
Para a TAG Revista, três integrantes foram entrevistados: Hélio, Dinho e Daniel Lima (assessor de imprensa/social media). Eles falaram sobre a trajetória da banda, sua importância no cenário cultural e o seu primeiro álbum, "Códigos Periféricos", que estreia neste dia 29 de maio em todas as plataformas digitais.
Códigos Periféricos

Intitulado “Códigos Periféricos”, o disco possui oito faixas e traz crítica social, política, histórias de Pernambuco, arte brasileira, amor, beleza ancestral e empoderamento de raízes de matrizes africanas em suas composições. Esse, inclusive, é um projeto sonhado pelo grupo antes mesmo da pandemia de Covid-19. Com 14 participações, o disco terá nomes como Cannibal, Odailta Alves e Samuel Negão, entre diversos outros talentos.
“O novo álbum vai ter muitas influências, expectativas lá em cima, porque agora a galera vai ter uma ideia mais completa da Abulidu”, diz Hélio. “Códigos Periféricos” é o retrato de toda a história de uma banda que chegou para impactar o mundo,. Com sonhos e lutas, a Abulidu mostra para o que veio.
“É a nossa antena pernambucana da Rádio Favela [que dá nome à primeira faixa, vinheta de abertura] captando tudo, com seus Códigos Periféricos. Para engrossar ainda mais o caldo, temos a panela preta na pressão cheia de ingredientes adubada por Buguinha [produtor], colocando molhos juntamente com a banda, que é a maior responsável pelos arranjos. E assim a gente se une à Celebrai [música do disco em homenagem à Buguinha], nossa celebração”, define o cantor e compositor Hélio Abulidu.
O palco é a rua e a Abulidu está em toda parte
Lutando há quase quatro anos, a banda Abulidu soma quatro músicas já lançadas: "Deixa A Menina Dançar" (de Patrick Tor4, com feat de Hélio Abulidu e Márcia Castro, da Bahia), "Quilombo Urbano", "Abulidu" e "Os boys de Baobá", disponíveis no Spotify e Youtube. As letras dessas composições destacam referências marcantes da formação do Brasil, como a vinda dos negros de Luanda para Porto de Galinhas, críticas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o empoderamento preto entre outras temáticas. Um destaque para primeira música do grupo, "Quilombo Urbano", que foi usada em aulas por uma professora que leu a letra com os estudantes, mostrando a força preta e grandes nomes que os jovens podem tomar como inspiração, como o Miles Morales (de Homem Aranha no Aranhaverso), Chico Science e outras referências pretas.
Questionados sobre como enxergam seu trabalho e o impacto que a banda tem na sociedade, Dinho, Hélio e Daniel têm respostas em comum. “Eu acho fundamental esse tipo de trabalho, por mais que a gente veja que a cada ano tenha mais luta, mais resistência, eu acho que são poucos trabalhos que levam diretamente para esse caminho, principalmente em Pernambuco”, comenta Dinho.
Durante a conversa, é difícil não mencionar as lembranças sobre racismo sofrido por eles. Dinho discorre sobre determinado dia em que trabalhava como motorista e, mesmo uniformizado, foi abordado pela polícia “[Os policiais] olharam para dentro do carro e a polícia me abordou apontando uma arma. Perguntando por que eles me abordaram daquele jeito, já que estava trabalhando, eles disseram que eu estava em atitude suspeita, aí eu digo 'atitude suspeita tem cor, tem um padrão já certo'". Daniel comenta como é o olhar social sobre pessoas pretas. “Estava na rua, com dois companheiros brancos, um cara se aproxima e eu estava no celular e ele disse, ‘está esperando um corrida ou uma entrega’, olhei para ele e disse que não trabalhava com entrega, e o cara respondeu: “não leve a mal não, porque você está aí mexendo no celular’”.
São mangue, do mato e morro: são a Abulidu
Hélio Machado, 37 anos, é o idealizador do grupo. Nasceu no Recife, mas sempre morou em Jaboatão dos Guararapes, na comunidade Suvaco da Cobra. Teve uma infância difícil. Sofreu violência policial por ser preto e morador da periferia.
“Quando eu tinha 13 anos de idade, a polícia chegou na favela, pediu o documento da minha bicicleta, e eu não tinha, nem meu documento eu tinha com essa idade, apanhei, não tinha consciência do que era isso”, conta o vocalista que faz uma reflexão sobre esse processo de opressão. “Eu não me reconhecia como homem preto, até então não tinha essa ideia, não tinha conhecidos, não falava nas músicas sobre racismo, antirracismo e preconceito. Mas aí, com 33 anos, foi quando me reconheci no Museu da Abolição, foi lá que me reconheci como homem preto, assistindo o curta de Juliana Vicente, ‘Cores e Botas’”.
Arnaldo Deodato, 33 anos, carinhosamente chamado de Dinho, é recifense. “Meu primeiro contato com a música foi a ciranda", comenta o percussionista. Filho de marisqueira, morava em uma vila do Janga, onde pesca boa era sinônimo de ciranda. Frequentava, também, a ciranda de Dona Duda na praia do Janga, e a partir desses encontros começou a ter afeição por aquilo que transformou sua vida: a música. Durante seu período escolar, participou do Programa Escola Aberta, começando como aluno e se tornando arte-educador, dando aulas de música para os novos estudantes.
“Fui arte-educador em vários projetos, tentando passar o que a música me presenteou. Assim ela é um caminho, uma direção, porque na comunidade você não tem muitas oportunidades e você fica com essa dívida querendo retribuir o que aprendeu”, conta Dinho.
O assessor Daniel Lima, 28 anos, tem uma vivência diferente de uma parcela do grupo. “Sou um pessoa de classe média, tenho uma criação de branco, isso é fato, mas todo esse meu discurso eu levo para minha casa, como pessoa preta”. Nascido no Agreste, em Caruaru, Lima reconhece e utiliza dos seus privilégios para reivindicar o direito dos seus. Seu caminho até a Abulidu foi assistindo vídeos do grupo, quando acabou se apaixonando e resolveu investir seu trabalho.
Os boys de baobá no Festival do Futuro
Para a TAG, o grupo ainda relembra a participação no Festival da Esperança no dia 1 de janeiro de 2023, em Brasília (DF), que ocorreu na posse do atual Presidente Lula (PT). “Foi uma experiência incrível que fez com que o grupo se unisse, foi tudo perfeito, só tinha que dar certo”, comenta Dinho.
.“A verdade é que, para mim, subir no palco dos shows e a polícia está lá na frente e cantar ‘supremacista não enche meu saco com filosofia vã', para mim é aquela lembrança da criança de 13 anos que apanhou e que tá encontrando a voz agora”, desabafa Hélio. Hoje, esse mesmo jovem consegue gritar palavras que estavam entaladas há tanto tempo, cheias de resistência e força.
Por fim, a Abulidu existe há muito mais tempo do que sua divulgação oficial. Ela nasceu junto de Hélio, Dinho, Paulinho, Thúlio, Rogério, Raphael, Daniel e todos que acordam diariamente com um sonho de levar música de qualidade e resistência para quem não consegue gritar ou é silenciado pelo racismo e desigualdade social. O novo álbum do grupo é o retrato de que essa luta jamais vai parar se depender da Abulidu, que luta por espaço, melhores condições de vida da população e mais valorização do trabalho preto.
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