"Maria Callas": um retrato superficial de uma mulher profundamente complexa
Atualizado: 24 de jan.
Novo filme de Pablo Larraín é vazio em substância, apesar dos belos visuais

Fazer cinebiografias não é uma tarefa fácil para nenhum dos envolvidos no processo. Você vai estar retratando a vida de uma pessoa que existiu ou ainda existe, não um personagem criado ficcionalmente. É delicado, requer cuidado.
O cineasta Pablo Larraín é fã de fazer cinebiografias. Dirigiu Jackie (2016), sobre Jacqueline Kennedy; Spencer (2021), sobre a Princesa Diana e, agora, em 2024, Maria, sobre uma das maiores cantoras de ópera de todos os tempos, Maria Callas. O filme fecha uma "trilogia informal" de figuras femininas consideradas icônicas na cultura pop. E, infelizmente, assim como os seus antecessores, é mais um erro do diretor e que só se sustenta por conta de sua protagonista.
Maria (2024) acompanha os últimos dias de Maria Callas, praticamente presa na sua casa em Paris. A voz, seu principal instrumento e o que a dava vontade de viver, já não tem a mesma potência de antes e seus problemas de saúde a impedem de voltar aos palcos. Apesar disso, Maria quer voltar a ser uma cantora de ópera e, durante o filme, vemos suas tentativas falhas de recuperar o glamour que a fazia se sentir viva.

Angelina Jolie é quem dá a vida a Maria Callas aqui. Como já sabemos, a atriz é extremamente dedicada ao seu trabalho - e, provavelmente, continua na busca de mais um Oscar, apesar de estar mais contida aqui. Aprendeu canto de ópera para estrelar o filme. Ela é a alma de Maria (2024) e uma das únicas partes realmente interessantes da cinebiografia. Fica evidente que ela tenta trazer uma camada mais profunda para sua personagem, mas, o roteiro e todos os outros elementos do filme não ajudam.
O estilo das outras cinebiografias de Larraín se repete na sua nova obra. Ele traz visuais lindíssimos, uma fotografia interessante e agradável aos olhos, só que o filme não passa muito disso. É superficial logo de início, com flashes do auge da vida da artista, mas que não dizem nada para o espectador. Particularmente, eu não sabia quem era Maria Callas e, mesmo após assistir ao filme, continuei não conhecendo.
Não existe aprofundamento na genialidade de Callas. Uma artista que nasceu nos Estados Unidos pobre, filha de imigrantes gregos, voltou para Atenas em seu país de origem e se tornou uma das maiores, senão a maior, voz da ópera do século XX. Nada disso fica realmente evidente em Maria (2024).

Pelo contrário: a impressão que o filme deixa é de que a icônica cantora era desequilibrada, narcisista e temperamental. Que deixou a vida de glamour e um casamento por um homem qualquer, sem razão aparente e depois passou os últimos dias de sua vida se lamentando e mandando seus funcionários fiéis fazerem diversas tarefas sem sentido lógico apenas porque sentia vontade. Você julga Maria mais do que simpatiza com ela.
E, mesmo que, numa biografia, a pessoa retratada tenha sido complicada e com diversas questões problemáticas, ainda é possível fazer com que o espectador sinta empatia e se identifique. Um exemplo é Eu, Tonya (2017), dirigido por Craig Gillespie e estrelado por Margot Robbie. Tonya Harding, patinadora, tinha problemas enormes envolvendo sua relação com o trabalho, com sua mãe, com seu marido - inclusive, são similares aos de Callas. Mas, o caso do longa de 2017, mesmo com todas as questões da protagonista, consegue fazer você se conectar de verdade com ela. Não é o caso de Maria (2024).

Para além da forma vazia com que Maria Callas é representada, alguns detalhes técnicos do filme incomodam. Um exemplo é a voz. Como dito anteriormente, Angelina Jolie aprendeu o canto da ópera para fazer o longa. Mas, a voz usada é a original de Callas, mesclada com a respiração de Angelina em cenas chave do filme, de falha no canto, por exemplo. A forma com que isso foi feito no filme ficou estranha e soa falsa. Não consegue transmitir a angústia sentida pela cantora.
Enfim, Maria (2024) é mais uma prova de que Pablo Larraín é um mestre no visual, porém, tem dificuldades no desenvolvimento e profundidade das histórias que conta e, principalmente, de suas personagens. O que, no caso de uma cinebiografia, acaba deixando a obra a desejar, já que é tudo sobre aquela pessoa retratada.
Veredito: 2/5
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