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Cadê a protagonista que estava aqui? O apagamento de Taís Araújo em Vale Tudo

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  • há 12 horas
  • 7 min de leitura

Apesar dos números exorbitantes, e teoricamente positivos, o remake de Vale Tudo acumulou muitas críticas do público e especialistas


Por: Rayane Domingos e Thallys Rodrigo


Foto: Globo/Fábio Rocha
Raquel Acioly, personagem de Taís Araújo. Foto: Globo/Fábio Rocha

Desde os primeiros rumores até a estreia, inúmeros olhares se voltaram para a nova versão de Vale Tudo. O público cultivou uma grande expectativa para um remake da trama, principalmente porque a Globo tem buscado investir financeiramente neste tipo de produto. A ideia de modernizar as histórias atemporais da versão original, fazendo jus a núcleos antes poucos falados, colocando o protagonismo negro em uma história tão brasileira, tudo isso foi ruindo antes mesmo do início da novela. O telespectador entendeu rapidamente que o sonho ia se tornar um pesadelo em poucos capítulos.


No começo, as comparações com a obra de Gilberto Braga, eram criticadas pelo público, que entendeu que isso não levaria a lugar algum. Mas com o avançar da trama, elas se tornaram até inevitáveis e até injustas, visto que o autor original, de fato, era um gênio, diferente de Manuela Dias.


É discutível se ela seria a escolha ideal para encabeçar um remake tão importante para a cultura popular brasileira. O fato é que apesar disso, a "chance" do telespectador ao seu trabalho foi dada desde o começo, mas os rumos estranhos que as histórias foram tomados mostrou um certo despreparo, não apenas da autora como da própria Globo, para uma novela tão icônica.


Em entrevista ao podcast Tiktal no Youtube, o especialista em telenovelas, Nilson Xavier, refletiu sobre como a emissora pode ter atrapalhado, neste caso, a autora de escrever. A ideia de retirar a discussão política — "vale a pena ser honesto no Brasil?" — parece ter sido tomada em conjunto, a partir da crença de que tal temática poderia se tornar uma grande crítica social do país em cima do produto, no caso a novela.


Acrescento que a Globo não parece querer se envolver neste tipo de discussão, principalmente política sobre direita x esquerda, puramente para não atrapalhar os negócios. Mas em 1988, a sociedade brasileira estava em constante mudança com a promulgação da Constituição e a promessa de redemocratização, o que era refletido diretamente na obra de Gilberto. De fato, a discussão cabia muito naquele momento que o brasileiro estava tentando entender o que viria a partir de agora tendo a liberdade como pilar social.


Não me convidaram para essa festa pobre


Manuela Dias, autora de Vale Tudo. Foto: Lucas Teixeira/Globo
Manuela Dias, autora de Vale Tudo. Foto: Lucas Teixeira/Globo

Antes da estreia de Vale Tudo, Manuela concedeu uma entrevista, muito criticada por sinal, à Folha de São Paulo afirmando que não acreditava que a sociedade não era o pilar principal da novela. E que a trama girava em torno de uma aposta entre mãe e filha, sobre conseguir ou não vencer na vida sendo honesto no Brasil. 


"É a história de uma aposta entre mãe e filha. Elas apostam se é possível se dar bem sendo honesto no Brasil. A novela vai acontecer mais dentro dela”.

As críticas a essa visão reduzida da novela irritou os telespectadores saudosistas e assim entendeu-se que a autora iria focar mais na trama envolvendo Raquel (Taís Araújo) e Maria de Fátima (Bella Campos). Completamente contrário a visão do público, que esperava uma novela mais centrada na discussão sobre honestidade, e agora conseguindo ter mais liberdade para falar sobre certas temáticas que não foram tratadas na versão original.


E apesar dos inúmeros problemas envolvendo enredo e texto, Raquel e Maria de Fátima conseguiram começar a novela como protagonistas das suas próprias histórias. Mas com o avançar dos capítulos, a mocinha foi perdendo cada vez mais espaço, profundidade e relevância nas tramas que fazia naturalmente parte.


No início de junho, o jornalista Gabriel Vaquer, da Folha, divulgou um levantamento que em quatro capítulos da novela, entre segunda e quinta, Taís só teve 6 minutos e 36 segundos de tela. Na apuração da coluna, a decisão de "sumir" com a protagonista foi uma escolha de Manuela que optou por focar em outras histórias. Para se ter ideia, Débora Bloch e Bella Campos tiveram 14 minutos e 11 segundos de tela neste mesmo tempo.


A promessa de destaque para Raquel seria em julho, quando conseguiu ficar rica com o sucesso do restaurante. Mas essa felicidade toda durou muito pouco, porque em agosto, foi confirmado que a personagem iria levar um golpe da vilã, Odete, perderia todo o controle financeiro da Paladar e voltaria a vender sanduíches na praia. 


Raquel volta a vender sanduíches na praia. Foto: Reprodução/TV Globo
Raquel volta a vender sanduíches na praia. Foto: Reprodução/TV Globo

Essa reviravolta sem sentido irritou o público, que criticou muito a decisão de Manuela, e da direção, por insistir nesse caminho de reforçar o sofrimento da personagem que não caberia mais. Taís também ficou muito decepcionada com a novidade e deu uma entrevista muito sincera e reveladora à Quem.


"Esse momento da Raquel voltar a vender sanduíche na praia, confesso que recebi com um susto. Porque não era a trama original. Então, para mim, a Raquel ia numa curva ascendente. Quando vi aquilo, falei: 'Ué, vai voltar para a praia, gente'. Aí eu entendi e também falei: 'OK, mas ela está escrevendo uma parte da história'. Vamos embora fazer", disse.

Taís disse que aceitou o papel por enxergar que Raquel é a cara de uma mulher brasileira, que luta e batalha honestamente em busca de sobreviver e dar aos seus o melhor da vida. Porém, os caminhos que foram sendo tomados surpreenderam não só o público como também a atriz.


"Quando peguei a Raquel para fazer, falei: 'Cara, a narrativa dessa mulher é a cara do Brasil. E ela vai ter uma ascensão social a partir do trabalho. Vai ser linda e ela vai ascender e ela vai permanecer'. Isso vai ser uma narrativa muito nova do que a gente vê sobre representação da mulher negra na teledramaturgia brasileira. Quando vejo que isso não aconteceu, como uma artista que quer contar uma nova narrativa de país, e a dramaturgia proporciona isso, confesso que fico triste e frustrada", disse.

A pagar sem ver toda essa droga, que já vem malhada antes de eu nascer


Depois da entrevista, dada no final de agosto, as poucas cenas relevantes de Raquel para a trama foram ficando cada vez mais raras. Pode-se tirar mil conclusões sobre as coincidências, mas o fato é que Taís praticamente desapareceu da novela e ficou resumida apenas a trechos com merchandising. Inclusive, é importante citar que desde o começo, a imagem de protagonista da atriz foi muito vendida pela Globo para chamar publicidade, visto que ela é um dos rostos mais famosos do mercado atualmente.


E foi desta forma que Taís acabou sendo reduzida nos capítulos finais e decisivos de Vale Tudo: como uma modelo de manequim que foi contratada apenas para exibir o produto que estava sendo vendido na publicidade. O caminho natural, e óbvio, é de culpar explicitamente Manuela Dias por esse feito. Mas é preciso também colocar na conta da direção da Globo, que mesmo vendo as críticas massivas contra esse movimento, deixou que isso permanecesse até o último capítulo.



Uma das reclamações recorrentes dos artistas negros para com os autores e direção das novelas era a falta de profundidade em suas histórias. A maioria dos artistas escalados se limitavam a fazer os mesmos papéis: seja de escravo, bandido, empregada doméstica, cozinheira, a dona de casa engraçada. A maioria não tinha relevância no enredo, muitas vezes nem uma vida fora daquele núcleo, sem uma casa ou até mesmo uma família completa e funcional. A única certeza era que em algum momento teria um salvador branco para dar uma lição de moral ou sabedoria e roubar esse protagonismo já inexistente.


E isso mostra o quanto a representatividade apenas pela representatividade é vazia quando não há, de fato, um propósito e intenção de fazer algo diferente do que o habitual. Os autores realmente conseguem entender que uma atriz negra é capaz de fazer qualquer tipo de personagem sem precisar apelas para o sofrimento explícito e desnecessário? Pelo visto nos últimos anos, não. É muito mais confortável para autores e emissora reforçar os estereótipos e contar as mesmas histórias preconceituosas sobre pessoas negras, assim como para os indígenas e da comunidade LGBTQIAPN+.


Na nova versão de Vale Tudo, Cecília (Maeve Jinkings) e Laís (Lorena Lima) permaneceria como um casal lésbico durante toda a novela, algo que não aconteceu na original. Mas a que custo? Elas também foram esquecidas na história principal e todos os enredos foram ficando cada vez mais enfraquecidos. As atrizes também demonstraram insatisfação com as decisões que foram sendo tomadas.


Laís e Cecília em Vale Tudo. Foto: Manoella Mello/Globo
Laís e Cecília em Vale Tudo. Foto: Manoella Mello/Globo

Talvez a mais grave aconteceu em setembro quando elas adotaram uma criança e foram surpreendidas com a chegada do pai biológico da criança. O discurso de que Sarita deveria ter uma "figura paterna" na criação incomodou um coletivo de mães e a revolta recebeu apoio de Maeve e Lorena.


O apagamento de Raquel parece ser mais uma infeliz problemática surgida a partir de um avanço promissor, que prometia uma grande renovação na teledramaturgia brasileira: o comprometimento da Globo e ter mais atrizes e atores negros protagonizando. Desde meados de 2021, a emissora tem aumentado o número de profissionais pretos e pardos nos elencos das produções, incluindo papéis de destaque.


Porém, a prática mostrou que não basta um compromisso numérico com a representatividade. Casos semelhantes de apagamento de protagonistas ocorreram em novelas com Duda Santos, em “Garota do Momento”, Bárbara Reis, em “Terra e Paixão” e Lucy Alves, em “Travessia”. Mesmo diante da aparente nova conduta interna, a desvalorização das profissionais negras se mostra mais a regra do que a exceção na emissora, algo que também se estende a outras questões relacionadas a minorias, como a comunidade LGBTAIAPN+.


Duda Santos, Bárbara Reis, Lucy Alves e Taís Araújo
Duda Santos, Bárbara Reis, Lucy Alves e Taís Araújo

Esse panorama transparece a necessidade de um aprimoramento qualitativo, e não só quantitativo, na presença negra nas telinhas. Autores e diretores brancos precisam ser continuamente cobrados não só pelo público — que, em grande parte, já se posiciona — mas também pela Globo enquanto organização. A presença de profissionais negros por trás das câmeras também é um importante diferencial, e é algo que, infelizmente, ainda engatinha no que se refere aos campos de roteiro e direção. 


O futuro promete novas oportunidades de acertar o curso e também observar o posicionamento da emissora. Artistas negras como Gabz e Duda Santos já estão escaladas para novas novelas do canal, enquanto Elisio Lopes Jr. e Juan Jullian se consolidam como autores de algumas das próximas tramas. São ações que demonstram que ainda há, pelo menos, parcialmente, um desejo de seguir com o projeto de diversidade implantado. Mas é preciso além do básico. 

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