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Man’s Best Friend: Sabrina Carpenter brinca com relações de poder e gênero em disco nostálgico

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  • há 12 minutos
  • 6 min de leitura

por Danilo Lima, especial para a TAG Revista


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Apesar de estar na ramo musical há quase 10 anos e ter ganho certa visibilidade com a dançante “Nonsense”, foi graças ao hit estratosférico de “Espresso” e a associação com Taylor Swift no The Eras Tour que a cantora Sabrina Carpenter foi catapultada ao verdadeiro estrelato. 2024 foi definitivamente o ano da artista, vencendo dois Grammys pelo seu álbum de pop vocal Short n’ Sweet e indo de ato de abertura para headliner de festival.


Apenas um ano depois, Sabrina entrega ao mundo um novo projeto, Man’s Best Friend, seu sétimo álbum de estúdio e certamente um dos mais divisíveis de sua carreira. Com um total de 12 faixas, o novo LP traz novamente a figura espirituosa e ligeiramente obscena da cantora em uma produção carregada de harmonias cintilantes e brilho vintage, mas que reposiciona bruscamente a abordagem sobre sexo e relações de poder tipicamente exposta na música pop.


Polêmica


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Antes mesmo do seu lançamento, o álbum já gerava polêmica por sua arte de capa. Na imagem, Sabrina aparece de joelhos, à frente de uma figura masculina sem rosto que agarra seu cabelo. A cena parece transcorrer numa espécie de sala de estar ou lounge, no qual ambos estão devidamente vestidos para um evento social. Combinado com outras artes de divulgação e o título da obra (“melhor amigo do homem”, traduzindo), fica óbvia a associação entre a dependência canina e a subserviência da figura feminina.


Mesmo com um histórico de letras e performances recheadas de referências sexuais (vide as posições Juno, um rito da atual turnê), a representação submissa que se assemelha a peças publicitárias misóginas do passado recebeu uma boa dose de críticas, que acusam a capa de ser degradante e antifeminista. O debate online alternou entre a defesa da liberdade de expressão sexual da artista, a crítica a representações contraproducentes para as mulheres, slut-shaming, puritanismo, etc. A questão central, por outro lado, parece ser de ordem mais prática: a ironia empregada por Sabrina é capaz de transformar submissão voluntária em ferramenta de crítica e emancipação?


Após instaurada a polêmica, na qual a própria cantora se defendeu minimizando a seriedade das alegações, Sabrina lançou uma capa alternativa junto com a mensagem “nova capa alternativa aprovada por Deus”. Agora a imagem apresenta ela dançando nos braços de um rapaz, fazendo referência direta a uma clássica foto de Marilyn Monroe junto ao seu marido Arthur Miller. A escolha obviamente não foi por acaso e condensa perfeitamente a persona que Sabrina quer construir para Man’s Best Friend.


Ingenuidade performática


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Marilyn Monroe talvez seja o maior exemplo de vítima do male gaze na cultura pop. O que muitos não entendiam, porém, era como o humor de falsa ingenuidade escondia uma mulher culta e afiada. Enquanto um espectador comum acredita que a persona reforça estereótipos da “loira burra”, Sabrina sabe que se apropriar da ingenuidade como meio de sexy appeal pode ser uma performance eficiente para revelar, na verdade, a estupidez masculina.


Encarnando a Pick Me Girl máxima, Carpenter infla o ego dos seus parceiros ao alimentar delírios masculinos revanchistas (como no pop de influência R&B dos anos 2000 “When did you get hot?”) ou parabenizá-los pelo mínimo (como na disco “Tears”). Nessa última, exemplo mais escrachado do sarcasmo, ao listar responsabilidades básicas como o suficiente para deixá-la excitada, Sabrina expõe a incapacidade masculina para tarefas domésticas ou comunicação responsável.


Sabrina leva o lema “rir para não chorar” como filosofia base do seu novo trabalho. Não à toa, o álbum começa ao som de uma risada, que introduz o primeiro single e hit atual: “Manchild”. No hino synth-pop de influência country, a cantora lida frontalmente com seu padrão de homens incompetentes e infantis (“I like my men all incompetent”). O humor é peça central para a cantora, pois surge como forma de lidar com as desilusões, até ridicularizando seus erros e sujeições dentro de relacionamentos amorosos humilhantes, mas que, segundo a própria, “ela não escolhe, eles que escolhem ela”.


Atentado ao pudor do passado


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Não é difícil encontrar algo igualmente explícito na obra de outras cantoras, de Beyoncé a Chappell Roan. O que parece ofender aqui, na realidade, é a embalagem pequena e angelical que a entrega. Se do outro lado as cantoras se apresentam como o futuro, a ex -estrela de séries da Disney frequentemente acena a um passado em seu estilo e inspirações de performance. Sabrina atenta ao pudor, mas não do presente ou futuro. Ela leva sexo a um passado imaculado e, portanto, choca, pois é como ouvir sua avó ou uma princesa falando palavrão.


Existe também um certo ar de drama doméstico que perpassa o universo do disco. Sabrina insere no interior dessa casa familiar perfeita dos anos 50 os fetiches e dinâmicas sexuais escondidos por trás da fachada recatada do puritanismo americano. Exemplo disso é o caso da divertida “House Tour”, em que são traçados paralelos e innuendos entre o corpo e a casa da personagem.


Nessas dinâmicas sexuais apresentadas, as posições de dominante e dominado se alternam. Um dos grandes destaques do álbum e dona de um refrão explosivo, “My Man on Willpower” mostra Sabrina irritada com o autocontrole do seu parceiro, que prioriza o trabalho e já não é mais sexualmente tentado por ela. O jogo se inverte na faixa seguinte, a menos memorável “Sugar Talking”, na qual a personagem domina a situação cobrando que o homem tome uma atitude para além da conversa fiada e flertes vazios.


Outra questão de gênero

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Mantendo a parceria com os produtores Jack Antonoff e John Ryan, além da ajuda de Amy Allen nas composições, Man’s Best Friend é uma obra multigênero, que vai do disco e sophisti-pop ao country e R&B. Como quase tudo no pop mainstream atual, está alicerçado na nostalgia, mas consegue mostrar, ao menos, que há mais do que apenas synth-pop dos anos 80 para se inspirar. A retrô “Never getting laid”, que soa como uma música publicitária de uma sessão coruja, traz suavidade e felpudez sonora para o relato de um término pacífico – contanto que o parceiro nunca mais consiga transar. A viciante “Nobody’s Son” joga um brilho quase natalino a mais uma desilusão amorosa, dessa vez mais sincera, porém na qual Sabrina responsabiliza a sogra pela criação de um garoto imaturo.


Quando o álbum pende para o country – tendo seu ápice na enérgica, ébria e divertida “Go Go Juice” -, Sabrina ganha novo gás e personalidade. A aproximação do country parece fazer ainda mais sentido para ela nessa missão de construir paródias de miss americana, pois, longe do empoderamento liberal do pop, Sabrina disputa com a complexidade de um gênero tipicamente republicano e tradicional dos Estados Unidos, encarnando uma Dolly Parton sintonizada com pautas da geração Z.


É possível ouvir Madonna, Britney Spears, Dolly Parton e Olivia Newton-John na mistura. Porém o grupo sueco ABBA talvez seja a grande referência sonora aqui. Entre outras faixas, a inspiração surge na melodia de baladas como “We Almost Broke Up Again Last Night”, mas especialmente na música de encerramento, “Goodbye”, que parece vir diretamente de um disco do quarteto, carregando uma abundância catártica de instrumentos que extravasa não apenas sonoramente, mas emocionalmente a eu-lírico que finalmente abandona uma relação tóxica e toma as rédeas da própria vida.


Musicalmente não é nenhum marco – talvez seja até um pouco derivativo e dependente de suas influências -, mas é agradável o suficiente para que cresça a cada revisita no gosto do ouvinte. Um tempo a mais maturando poderia ser a receita para um trabalho mais coeso, que não se perca ao tentar agradar diferentes estilos e termine com faixas sobressalentes (“Don’t Worry I’ll make you worry”) ou destoantes (“When did you get hot?” soa como isca para trend de TikTok).


Quem está na coleira?


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Em Man’s Best Friend, homens são sexy, mas completos idiotas. Se antes desafiava ou buscava reabilitar seus parceiros, hoje Carpenter parece adotar uma “aceitação” aos maus comportamentos, substituindo a autopiedade de semelhantes como Taylor ou Olivia por um estranho deslumbramento com os homens em suas composições.


Ao longo do álbum, sexo é representado como moeda de troca, ameaça e forma de conciliação. Diferente da tradicional exibição de sexualidade como empoderamento e força feminina individual e autosuficiente do pop moderno, Sabrina posiciona o sexo como elemento central das relações de poder que surgem entre duas pessoas. Contudo, nem todas as ideias são dissecadas e a crítica através do sarcasmo se mantém em um patamar divertido, mas superficial dos temas. No fim, a leveza e o bom-humor predominam. 


Sabrina Carpenter, como a maioria das pessoas com veia cômica aguçada, é muito inteligente. Ao se declarar “melhor amiga do homem”, ela se coloca estrategicamente ao lado deles, assumindo a posição de um cão domesticado que, no fundo, é quem mantém as presas afiadas e segura a coleira.


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