‘O Auto da Compadecida 2’ recorre à nostalgia, mas não empolga como poderia
Matheus Nachtergaele e Selton Mello brilham novamente como João Grilo e Chicó

Desde a confirmação que o clássico O Auto da Compadecida teria uma sequência, a maioria dos amantes do cinema brasileiro se dividiram entre gostar ou não. A produção sempre foi tratada como hors concours pela maneira divertida que a história foi contada. Na teoria, a decisão de fazer um segundo filme é boa, mas na prática, não consegue empolgar como poderia.
O Auto da Compadecida 2 se passa 20 anos depois dos acontecimentos do filme original. Chicó se encontra sozinho em Taperoá e ganha dinheiro contando as histórias do milagre da ressurreição que aconteceu na igreja. João Grilo retorna a cidade, com status de Santo, e acaba se envolvendo em uma briga política entre dois candidatos da região. Ele tenta sair da enrascada mais uma vez usando os seus famosos trambiques.
A direção ficou por conta de Guel Arraes e Flávia Lacerda, com um ótimo elenco formado por: Matheus Nachtergaele, Selton Mello, Luis Miranda, Virginia Cavendish, Enrique Diaz, Fabíula Nascimento, Eduardo Sterblicth, Humberto Martins e Taís Araújo.
Não sei, só sei que foi assim...

Como disse anteriormente, na teoria a ideia de uma sequência não é de todo ruim, principalmente com uma certa passagem de tempo e as histórias que poderiam ter uma continuidade. O roteiro é bem interessante se pensarmos nesse reencontro dos amigos Chicó e João Grilo, as questões políticas, ao falar sobre a modernidade chegando aos poucos na pequena cidade, Rosinha se mostrando mais feminista, enfim. Os temas são ótimos de se abordar, sobretudo em uma produção de época, mas na prática nada parece ter sentido.
Sabemos que o filme não tem grandes pretensões de aprofundar em outros temas que não seja na amizade entre Chicó e João, mas tudo parece muito raso e passa rápido na tela, como se fosse um flash. Nem mesmo os novos personagens são apresentados com certo afinco, para gerar minimamente apego ou desprezo do espectador.
E isso descaracteriza muito a produção original, que teve personagens secundários carismáticos e que ajudaram a elevar a história da dupla principal. Na sequência, isso é perdido e faz muita falta. O que parece é que não se teve um certo interesse de desenvolver os outros, já que o foco principal era Chicó e João. Mas esse "erro" pode ter custado muito em um filme que se destacou, acima de tudo, por contar boas histórias, o que não se concretiza.
E como consequência do foco total nos amigos, sem desenvolver os personagens secundários, o filme fica arrastado, principalmente da metade para o final. Muitas cenas repetitivas, que mesmo com um bom diálogo, se tornaram massantes e mais do mesmo.

Outro ponto que me incomodou, particularmente, foi a dublagem do filme. Não foram em todas as cenas, mas especificamente nas de Fabíula Nascimento era visível que não era a voz original e isso destoa do resto. É compreensível que a personagem dela era caricata e precisava ter uma voz fina como característica. Mas o resultado não ficou bom visualmente.
Não é um spoiler que o João Grilo vai se encontrar novamente com Nossa Senhora, agora sendo vivida por Taís Araújo. Na teoria, a cena também seria boa para recriar aquela áurea de emoção e de reflexão sobre o que a pessoa faz para sobreviver em um mundo desigual. Mas na prática, ela não funciona. E o grande problema é a insistência de fazer a mesma coisa do filme original, sem grandes inovações ou surpresas. É realmente um desperdício.
As novas presepadas de João Grilo...e Chicó
Uma das grandes dúvidas do público era para saber como estaria a sintonia entre Selton Mello e Matheus Nachtergaele. E posso confirmar com toda certeza que permanece a mesma, como se o tempo não tivesse passado. E acredito que o companheirismo e o respeito deles só resplandecem nos personagens. Não há um protagonista. A história é sobre os dois e os atores passam o filme inteiro jogando um para o outro em prol de um objetivo maior: fazer o espectador rir.

É muito bonito ver como os amigos estão em sintonia plena e brilham o tempo inteiro. Outro acerto foi mostrar os rostos deles como são, com a passagem do tempo sem medo, mostrar que eles "cresceram", mas continuam com a mesma essência. Confesso que senti mais a diferença, em relação a caracterização, do Selton do que pelo Matheus, que continua com o mesmo rosto dos anos 2000.
Os outros atores também estão ótimos, mesmo com pouco tempo de tela e de profundidade de seus personagens. Eles conseguem pelo menos aliviar um pouco o excesso de cenas entre Chicó e João Grilo na tela. Destaque para Luís Miranda, que nos faz rir com certa facilidade com um personagem malandreado de sotaque forte carioca, que se destaca pela diferença com o linguajar nordestino.

A trilha sonora é realmente muito boa e ouvir Maria Bethânia é sempre um deleite. Muito acertado a gravação de um nova música, 'Fiadeira', para emabalar as cenas de Nossa Senhora.
A caracterização é ótima, mesmo me incomodando muito o fato da maquiagem explorar tanto o laranja para representar o sertão, o mesmo com muito suor na pele. Mesmo sendo de época, o filme dá uma exagerada, mas nada que se torne inverossímil.
No contexto geral, o filme despediça a chance de fazer uma ótima sequência com um roteiro, a princípio, interessante. A falta de um desenvolvimento no enredo dos personagens e a tentativa de gerar o sentimento de nostalgia a qualquer custo, repetindo falas e cenas icônicas, foi um dos grandes problemas da produção.
Mas apesar disso, João Grilo e Chicó nos ganha por outras frentes. O humor se faz presente com muita maestria, como em uma boa comédia brasileira. Acredite, você vai rir muito e até se emocionar com o filme. Mas para isso, vai precisar embarcar no trem nostálgico. Caso não, você vai se divertir de qualquer forma. A imagem, de certa forma canônica, dos amigos trambiqueiros é bem maior do que o tempo e o resto.
Veredito: 2,5/5
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