“Wish” mostra o problema de engarrafar sonhos
Atualizado: 16 de jan.
Nova animação é charmosa, mas limita-se a celebrar o que a Disney prega
A Disney sempre nos ensinou a sonhar.
Diversas produções do estúdio, por mais diferentes que sejam entre si, trazem em comum o encorajamento para que os personagens acreditem em seus sonhos. E, claro, para que nós acreditemos nos nossos.
Desse jeito, era natural que o filme feito para coroar os 100 anos desse estúdio tão celebrado (e criticado, e idealizado), pusesse o sonho como tema central.
“Wish: O Poder dos Desejos”, que estreia em 4 de janeiro, é a obra que carrega essa responsabilidade. Ainda que não deixe de ter um aspecto sonhador, o filme mostra, através de suas limitações, o quanto esse tema não é tão fácil quanto parece.
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O que há por trás dos sonhos?
Tudo começa com Asha (Ariana DeBose), uma jovem do fabuloso reino de Rosas, um lugar mágico que reuniu peregrinos de diversas partes do mundo atrás de uma promessa: a proteção e a realização dos desejos.
Isso pois, segundo a lei do local, quando os habitantes completam 17 anos, eles devem entregar o seu desejo/sonho para o Rei Magnifico (Chris Pine), governante com poderes mágicos que mantém os desejos a salvo em seu castelo e realiza alguns deles de vez em quando. Assim que os desejos são entregues, seus respectivos donos os esquecem imediatamente.
A natureza dos desejos do povo de Rosas é bastante ampla: uns querem ser cavaleiros, outros, navegadores; também há quem só queira voar como os pássaros. O verdadeiro desejo de Asha é que seu avô, Sabino (Victor Garber), realize, enfim, seu próprio desejo: inspirar pessoas através da música.
O que a protagonista não sabia é que Magnifico na verdade não pretende realizar os desejos de todas as pessoas, e sim mantê-los em seu poder como forma de controlar os habitantes de Rosas e se manter no trono.
Diante dessa desilusão, Asha resolve fazer um pedido para uma estrela no céu, e, surpreendentemente, ela ganha vida. Assim, ela pode contar uma nova aliada na tarefa de realizar o desejo de seu avô e desmascarar o Rei Magnifico.
Não dá para negar que toda a mitologia de “Wish” é bastante criativa e um ótimo ponto de partida para essa história. Toda a questão ligada a entrega dos desejos e seu armazenamento pelo Rei é muito interessante e faz refletir sobre como nossos próprios desejos e sua possibilidade de realização são utilizados como instrumento de poder e controle por governantes e empresas… como a própria Disney.
Além disso, o Rei Magnifico é introduzido como um antagonista promissor, que parece ser muito mais do que aparenta. Seria ele alguém traumatizado por algo? Ele realmente acredita que alguns desejos nunca devem ser realizados? Ou apenas quer poder para si?
Cuidado com o que você deseja
Há diversas coisas que mantém “Wish” de pé como filme no seu decorrer, e isso inclui a carismática protagonista Asha, bem como um humor na medida certa e músicas que, se não muito memoráveis, agradam na primeira ouvida.
Em geral, a animação, que dividiu opiniões após o lançamento dos trailers, tem um aspecto muito mais agradável que o esperado, mas de fato, poderia ser mais simples. As técnicas utilizadas acabam causando distração em alguns momentos, mas ainda é possível apreciar os belos cenários e cores utilizados.
Infelizmente, o filme acaba por não cumprir as expectativas geradas pela sua introdução, ao optar seguir um caminho mais básico. O Rei Magnifico, por exemplo, vai se mostrando um personagem cada vez menos complexo, tornando-se, enfim, um vilão bastante clichê.
Ao invés de explorar as possibilidades que o personagem oferecia, o filme toma a rota mais segura e menos interessante. Com isso, a segunda metade de Wish não empolga tanto quanto poderia, e isso se reflete também na ambientação.
O reino de Rosas é um lugar bonito, mas conceitualmente limitado, com poucos cenários além do castelo do rei, o pátio da cidade e uma floresta. A narrativa prossegue, mas o filme não oferece locais diferenciados ou que chamem mais atenção, algo que destoa, por exemplo, de “Encanto”, que trouxe surpresas visuais e de ambientação do início ao fim.
Porém, o maior abalo a “Wish” como filme é justamente o modo como deixa de lado as questões que a própria obra propôs. Como já esperado, tudo se encaminha para que os habitantes de Rosas possam relembrar e retomar seus desejos.
A forma como isso acontece é um tanto simplista, e acaba por não explorar mais a fundo o lugar que nossos sonhos e desejos tem no mundo. Todos eles são válidos? É possível que sonhos sejam fúteis? Ou até mesmo perigosos, como propôs o Rei Magnifico? Seriam todos eles válidos? Ou realizáveis? Se nem todos puderem ser realizados, quem tem mais condições de realizá-los?
Já sabemos as respostas de algumas dessas (várias) perguntas, e certamente é preciso respeitar o fato de que seu público-alvo é composto em grande parte por crianças. Porém, não deixa de soar como um desperdício o modo como a Disney, através de “Wish”, engarrafa o conceito de sonho/desejo e o usa apenas para reforçar a mesma perspectiva simplista, já tão repetida, de “nunca desista do que deseja”.
E onde não queres nada, nada falta
“Wish: O Poder dos Desejos” consegue oferecer uma experiência agradável através de belas músicas, uma protagonista interessante e uma animação bonita, mesmo que desnecessariamente complicada.
O filme merece crédito por apresentar um conceito bem-construído, mas a equipe artística por trás fica devendo ao não desejar ir mais além na exploração do tema. Por todo o aspecto comemorativo do filme, é até compreensível que isso aconteça, e a maioria dos fãs da Disney - de todas as idades - vai amar, como sempre, o que o estúdio tem a dizer sobre os sonhos. Mas as limitações citadas impedem “Wish” de entrar para o seleto clube de clássicos do estúdio.
Por ora, as velas já foram sopradas, a estrela dos desejos já passou, e a Disney desejou se manter no mesmo lugar, tão aconchegante para si.
Veredito: 3,3/5
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