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'O Último Azul' e dualidade da nossa natureza

  • Foto do escritor: Samantha Oliveira
    Samantha Oliveira
  • 28 de ago.
  • 3 min de leitura
Rodrigo Santoro e Denise Weinberg em 'O Último Azul' | Foto: Divulgação
Rodrigo Santoro e Denise Weinberg em 'O Último Azul' | Foto: Divulgação


"A velhice neste país é o caos, como tudo aqui. A humanidade não deu certo". Certa vez, li exatamente esses fortes trechos enquanto trabalhava e, antes mesmo de assistir 'O Último Azul', de Gabriel Mascaro, voltei a refletir sobre o envelhecimento e espaço que esse processo ocupa na sociedade atual.


Ainda assim, seria muito simples resumir o longa protagonizado por Denise Weinberg a um debate atual sobre etarismo. Acredito que vá mais além, interferindo mesmo na essência que é ser humano.


A trama utiliza de um recurso simples e bastante utilizado na indústria do cinema, mas nem por isso menos valioso: o mocinho precisa sair da sua zona de conforto e, contra tudo e todos, embarca em uma jornada de autoconhecimento. Tereza, de 77 anos, vive a vida como todos dizem para vivermos: nasce, cresce, trabalha, tem família e filhos. Mas e o que vem depois?


O depois é trabalhar até morrer, ver os netos crescerem e sentir aquela paz e sabedoria que automaticamente chegam quando se passa dos 65 anos? A trama de Gabriel Mascaro põe esses pontos em xeque e também retira a película que a sociedade em geral envolve os mais velhos. Aqui, os idosos não são poços de sabedoria ou serenidade, mas sim apenas pessoas.


O outro lado de tudo


Tereza é a protagonista do novo longa de Gabriel Mascaro | Foto: Divulgação
Tereza é a protagonista do novo longa de Gabriel Mascaro | Foto: Divulgação

Pernambucano, Gabriel Mascaro já trabalhou anteriormente com distopias, mas agora parece colocar um pé a mais de realidade ao mostrar o dia a dia nortista. Ao mesmo tempo que as paisagens inebriantes do rio e da natureza em geral satisfazem o olhar, também mostram a população ribeirinha que vive entre desigualdades, palafitas e protestos.


O cenário distópico é bem constrúido, seja em detalhes ou no roteiro - um mérito que consolida essa como uma boa narrativa. Neste Brasil 'não tão distante' da nossa realidade, os idosos são isolados em algo similar a um campo de concentração, para que assim os adultos e mais novos possam 'se desenvolver em paz', para maior prosperidade socioeconômica do país.


Em nenhum momento o espectador sabe o que exatamente está de errado nessa proposta - além dela própria. No entanto, Mascaro constrói bem a tensão e, principalmente, a angústia da protagonista Teresa do seu destino iminente.


A trajetória da heroína é marcada pelo seu sarcasmo, além da curiosidade que permanece e a leva para, enfim, outras possibilidades da sua vida. A participação de Rodrigo Santoro é exatamente isso: uma participação, que funciona para levá-la narrativamente ao próximo destino. Por outro lado, ver Adanilo em tela é um deleite que poderia durar mais tempo ou aproveitá-lo melhor.


A natureza das coisas


Miriam Socarras também está no elenco de 'O Último Azul' | Foto: Divulgação
Miriam Socarras também está no elenco de 'O Último Azul' | Foto: Divulgação

É necessário reservar um espaço para a construção sensível e prazerosa da relação entre 'O Último Azul' e elementos da natureza. Inicialmente, a realidade de Tereza é algo já conhecido em meio ao mundo capitalista: o trabalho e os dias passam cinzentos e apáticos, assim como o jacaré abatido que aparece em uma das cenas inicias da empresa em que a protagonista trabalha.


No entanto, esse cenário muda ao passo que Tereza inicia sua jornada e, como ela mesma diz, manda no próprio querer. No filme, não existe maior liberdade que o ar e a água. É na água que a personagem de Denise acessa sua vulnerabilidade, reconhece seus limites e entende que não há mais papel a ser seguido: a mulher, mãe e trabalhadora ficaram para trás.


A energia psicodélica se funde aos elementos naturais do longa muito bem capturados, e traz uma imersão para quem assiste. É quase possível sentir a brisa do rio, o barulho das árvores e o desejo de voar com Teresa.


Ainda assim, o terceiro ato do filme pode ser o mais distante de toda essa fabulação natural construída. A chegada de Roberta (Miriam Socarras) é estranha, quase que desconfiada, mas relativamente bem construída nos minutos seguintes. No entanto, é possível perceber o receio de Mascaro de colocar o pé do outro lado entre as duas, mas sem deixar de permear temas ainda sensíveis na velhice: o amor e companheirismo pelo outro.


No fim, a batalha de dois betas muda o tom e torna a história como mais uma lenda sendo contada, costurado por uma trilha sonora mais lúdica Em um momento de psicodelia, o caráter da personagem é posto em dúvida, apenas para mostrar que ela é, mais uma vez, humana. O destino de Tereza é moldado conforme o próprio querer dela, que agora se vê livre e representado por um outro jacaré - este vivo e nadando em meio à correnteza.


Veredicto: 3/5



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